Este texto pode ser lido também na Revista Nossa Gente n30
Texto: Luiz Osvaldo
Fotos: Internet
A temporada de Fórmula 1 nem começou e o circo já está sendo armado em várias partes do mundo. São apresentações de carros novos, testes de longa duração e vários encontros de dirigentes da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) a fim de discutir regras e soluções para 2012. Esse campeonato mundial, que começou em 13 de maio de 1950, já nos trouxe muitas alegrias aos domingos, mas hoje anda meio parado para os brasileiros. Será a falta de um certo campeão tupiniquim?
Entre os campeões mundiais, estão três brasileiros: Emerson Fittipaldi, com dois campeonatos (1972 e 1974), sendo o primeiro brasileiro a ganhar o mundial, pilotando pela Lotus, McLaren e pela saudosa Copersucar; Nelson Piquet, com três mundiais (1981, 1983 e 1987), pilotando as escuderias Ensign, McLaren, Brabhan, Williams, Lotus e Benetton; e Ayrton Senna, três vezes campeão (1988, 1990 e 1991), pilotando pela Toleman, Lotus, McLaren e Williams. Os vice-campeões são Felipe Massa (2008) e Rubens Barrichello (2002 e 2004). Mas nenhum deles se destacou tanto quanto Ayrton. Nem Piquet, que foi seu maior rival durante alguns anos, dentro e fora das pistas.
Senna era um atleta dedicado e totalmente concentrado no que fazia. No livro “Senna – Herói Revelado” do jornalista Ernesto Rodrigues, no qual mostra em detalhes a vida que o piloto levava fora e dentro dos autódromos, conta em uma passagem que uma namorada de Ayrton o deixou porque não conseguia disputar sua atenção com os carros, sabia que iria perder. Nos autódromos, em vez de descansar em seu Motor Home, ele estava ao lado dos mecânicos e engenheiros, mexendo e indicando ajustes. Chegou a almoçar várias vezes na oficina, para não ficar distante de seu carro. Uma vez, fez a melhor volta do circuito, ficando com a pole position. O tricampeão chegou ao Box e saiu do carro com uma cara de decepcionado. Um engenheiro chegou e perguntou: O que você tem? Senna respondeu: “Não fui bom, posso fazer melhor”. Ele voltou para pista e baixou o tempo que tinha feito. Naquele dia, acabou batendo o recorde de melhor volta do autódromo.
São por essas e outras pequenas coisas, as quais a maioria dos brasileiros nem sabem, que transformaram Ayrton da Silva em um grande campeão e considerado, até hoje, um dos maiores pilotos da história do automobilismo. Enquanto Piquet quebrava tudo e xingava jornalistas, Senna saia com a maior calma do mundo para dar entrevistas, mesmo depois de uma fechada que o fazia sair da pista. A raiva dele era contra o piloto, não contra as pessoas que o rodeavam. Era um ser humano incrível. Adorava a companhia da família e amigos, sempre os convidando para reuniões em sua casa na Europa e no Brasil. Chegou a ficar em depressão em um ano, durante as etapas europeias, quando ficava sozinho em sua mansão. Mas quando estava entre amigos, divertia-se e aproveitava, menos na hora de comer. Na mesa, durante um almoço no qual todo mundo conversava, alguém perguntou: “Ayrton, por que você não fala nada?”. Ele respondeu sem levantar a cabeça: “Nós estamos aqui pra falar ou pra comer?”. Esse era o jeito de ser de um certo campeão tupiniquim, com seus defeitos, manias, alegrias e frustrações, que nos deixou muito cedo, além de uma enorme lacuna nos nossos domingos.
Sempre me pergunto: será que ele estaria correndo até hoje? Por qual escuderia? Ele teria participado de um mundial pela Ferrari? O Schumacher teria esses sete campeonatos?
E a maior delas: Como seria a disputa de dois Sennas? Bruno, por mais que não concorde, fica com a difícil tarefa, para os brasileiros, de substituir o tio na Fórmula 1.
Ainda é cedo para dizer se, correndo agora por uma equipe de ponta (Williams), Bruno teria chance de ser um novo brasileiro campeão mundial, já que vamos saber, só depois da quarta ou quinta prova, quem tem o melhor carro. Mas uma coisa é certa: Ayrton é insubstituível. A alegria que nos proporcionou vai ser difícil voltar. Algumas pessoas acham que Piquet é melhor, que Schumacher – por ser, várias vezes, titular de um troféu – superou todos.
Mas, para mim e para muitos, Senna era detentor de uma qualidade que o fez chegar ao topo: humildade. Humilde com as pessoas e exigente com seus carros. Tão exigente que, quando estava treinando em um kart no kartódromo de Interlagos, ele ouviu o barulho de um Fórmula 1 e correu para cima do muro do autódromo, onde queria ver o bólido passar. Quando desceu, falou: “Nunca vou correr com um desses, são muito lentos”.